quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O aprendiz de motorista

Possivelmente, até ele concorde: se fosse motorista profissional, Antonio Rocha morreria de fome. Sempre foi o que se chama de um “roda presa”. Além disso, nunca soube da existência da correia dentada ou do carburador; tampouco tem conhecimento de onde se esconde o radiador ou mesmo para que serve a chave de roda.

Quando juntava uma coisa com a outra, o estrago estava feito.

Pois esse candidato a Rubinho Barrichelo comprou, em 1974, um Corcel GT. Um carrão, bonito e esportivo.

Todos os dias seguia para o Ginásio Felinto Rego montado na máquina. Um dia, a meio caminho, percebeu que o carro puxava para um lado. Parou. Desceu. E viu: o pneu estava furado.

Sem muita intimidade com as ferramentas, deixou o Corcel estacionado. E pediu que um garoto avisasse aos filhos, em casa. Eles que cuidassem do pneu furado.

Ao chegar à quinta da família Rocha, o garoto deu o recado para Fenelon, o sétimo de dez filhos do professor com dona Irene.

O carro estava estacionado a uns sete quarteirões de casa – quase um quilômetro de distância. Fenelon resolveu que deveria trazer a máquina para casa.

Seguido de outros irmãos, entre eles Dílson – o oitavo dos rebentos –, seguiu para providenciar o resgate. Pensava em trocar o pneu e, depois, empurrar o veículo até a garagem doméstica, em forma de latada. E assim estava sendo feito.

Pneu trocado, Fenelon tomou a direção e um magote de menino se prontificou a empurrar o carro. Depois de percorrido uns 100 metros, Fenelon meteu a segunda e deu a partida no motor. O carro estava funcionando e ganhou velocidade. Fenelon estava dirigindo.

Era a primeira vez. Antes, o máximo que tinha feito era ligar o carro e deixar o motor esquentando até que o pai tomasse o mando da direção e rumasse para o Ginásio. É verdade, o rapaz treinava o engate das marchas, enquanto o carro estava parado na garagem. Mas dirigir, de verdade, nunca antes.

Levou o carro até a casa e colocou debaixo da latada, antes fazendo o parachoque beijar levemente um pé de guabiraba. Quando Dr. Antonio chegou à noite, o carro estava em casa. Fenelon já dormia. Devia sonhar – ou ter pesadelos – imaginando a reação que Dr. Antonio teria, ao saber que dirigira o carro sendo um menino do buchão e, pior, sem nunca ter dirigido antes.

No outro dia, bem cedo, o professor encara o filho e pergunta:
− Foi você quem trouxe o carro?
− Foi − respondeu o filho, sem convicção e sem saber que reação esperar.
− Pois vamos me deixar no Ginásio.

A reação foi surpreendente. E trazia outro desafio: dirigir o carro pela segunda vez e tendo Dr. Antonio do lado. Um sufoco.
Fenelon tomou o mando do Corcel e rumou para o Ginásio. Chegou ao destino sem sobrassaltos, estacionou direitinho e passou a chave para o dono da máquina.

− Muito bem – limitou-se a dizer.
Em casa, no entanto, Dr. Antônio passou à gozação. Ria do nervosismo do recém-promovido a motorista e da trajetória sinuosa que traçava no meio da rua.

− Não sei como, ele encontrava esquina no meio da rua − dizia, entre risos.

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Por certo, é melhor ri dos outros que ser o motivo do riso alheio. E o “motorista” Antonio Rocha era de causar gargalhadas.
A inabilidade do Dr. Antonio com os automóveis ganhou as ruas de União em forma de piada. Os piadistas atacavam, especialmente, a lentidão do professor ao volante. Era quase como uma tartaruga. Uma espécie de Rubinho do Estanhado. Claro, virou piada.

Isso aconteceu logo depois que comprou o tal Corcel GT.

O carro, modelo 69, era imponente, bem vistoso, todo vermelho com uma larga tarja negra sobre o capô, da tela frontal até o início do pára-brisa. Despertava a cobiça dos esportistas, já que um carro com motorização mais forte e um desempenho mais agressivo.

Segundo as más línguas unionenses, um dia Dr. Antonio resolveu explorar o potencial do possante, colocando à prova não só os limites do veículo como sua capacidade de motorista.
Seria uma prova com testemunha. Ou melhor, testemunhas, já que junto estava a espora, Irene, e o caçula, Délio, por essa época um meninote que carecia de cuidados especiais como cabe a toda criança.
Antônio Rocha se aprumou no banco do motorista, ao passo que dona Irene e Délio foram se acomodando ao lado, no banco do passageiro. O professor ligou o motor, deu umas duas aceleradas – uma delas bem profunda e duradoura, para esquentar o motor. Meteu a primeira e advertiu aos companheiros de aventura:

− Irene, segura o Délio que eu vou puxar 20.

Era assim. Quando passava de 20 km/h era uma proeza.
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Um comentário:

  1. Lembro muito de seus passeios pela cidade. Quando ele passava todo mundo corria dizendo: lá vem o Dr. Antônio.
    Nas esquinas, ele não parava, simplesmente buzinava e continuava na mesma velocidade. Sorte que eram poucos carros na cidade, já conhecíamos de longe pelo barulho.

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